BARRETO,
Lima (1881 – 1922). Clara dos Anjos. Editora Ediouro, 2006
Tempo
Tempo
Psicológico
[...] Hoje, é raro ver-se,
no Rio de Janeiro, um muro coberto de hera; entretanto, há trinta anos, nas
laranjeiras, na rua Conde de Bonfim, no Rio Comprido, no Andaraí, no Engenho
Novo, enfim, em todos os bairros que foram antigamente estações de repouso e
prazer, encontravam-se, a cada passo, longos muros cobertos de hera, exalando
melancolia e sugerindo recordações [...]
Tempo
Cronológico
[...]Chegou Cassi Jones à
casa de Lafões quase à noite. Era uma pequena casa, mas bem tratada e
limpa[...]
Espaço
O romance passa-se no
subúrbio carioca e Lima Barreto descreve o ambiente suburbano com riqueza de
detalhes, como os vários tipos de “casas, casinhas, casebres, barracões,
choças” e a vida das pessoas que ali vivem.
Ao descrever o subúrbio,
Lima Barreto aborda o advento dos “bíblias”, os protestantes que alugam uma
antiga chácara e passam a conquistar novos fiéis para seu culto:
“Joaquim dos Anjos ainda
conhecera a "chácara" habitada pelos proprietários respectivos; mas,
ultimamente, eles se tinham retirado para fora e alugado aos
"bíblias"… O povo não os via com hostilidade, mesmo alguns humildes
homens e pobres raparigas dos arredores frequentavam-nos, já por encontrar
nisso um sinal de superioridade intelectual sobre os seus iguais, já por
procurarem, em outra casa religiosa que não a tradicional, lenitivo para suas
pobres almas alanceadas, além das dores que seguem toda e qualquer existência
humana.” E reflete sobre a nova seita:
“Era Shays Quick ou Quick
Shays daquela raça curiosa de yankees fundadores de novas seitas cristãs. De
quando em quando, um cidadão protestante dessa raça que deseja a felicidade de
nós outros, na terra e no céu, à luz de uma sua interpretação de um ou mais
versículos da Bíblia, funda uma novíssima seita, põe-se a propagá-la e logo
encontra dedicados adeptos, os quais não sabem muito bem por que foram para tal
novíssima religiãozinha e qual a diferença que há entre esta e a de que vieram.”
A crítica às “novas seitas
cristãs” revela também a ojeriza de Lima Barreto à influência americana no
Brasil. Como o colocou Antônio Arnoni Prado, o autor de Clara dos Anjos
“interessou-se pelos Estados Unidos, em virtude do tratamento desumano que este
país dispensava aos seus cidadãos de cor. (…) Censurou duramente a
discriminação racial americana, assim como o expansionismo imperialista dos
‘yankees’, que, através da diplomacia do dólar, ia, a seu ver, convertendo o
Brasil num autêntico protetorado.” Nada mais profético.
Personagens
Marrameque - Poeta modesto,
semiparalisado, Marramaque freqüentara uma pequena roda de boêmios e literatos
e dizia ter conhecido Paula Nei e ser amigo pessoal de Luís Murat.
Lima Barreto denuncia, na
figura de Marramaque, a influência das rodas literárias, grupos fechados que
abundam no Brasil; a cultura da oralidade, dos que aprendem “muita coisa de
ouvido e, de ouvido, falava de muitas delas”, tendo um cultura superficial, de
verniz; e o azedume dos que não conseguem brilhar nas “rodas de gente fina”.
Clara: a “natureza
elementar” - Clara era a segunda filha do casal, “o único filho sobrevivente…os
demais…haviam morrido.” Tinha dezessete anos, era ingênua e fora criada “com
muito desvelo, recato e carinho; e, a não ser com a mãe ou pai, só saía com
Dona Margarida, uma viúva muito séria, que morava nas vizinhanças e ensinava a
Clara bordados e costuras.”
O autor reitera sempre a
personalidade frágil da moça – sua “alma amolecida, capaz de render-se às
lábias de um qualquer perverso, mais ou menos ousado, farsante e ignorante, que
tivesse a animá-lo o conceito que os bordelengos fazem das raparigas de sua
cor” – como resultado de sua educação reclusa e “temperada” pelas modinhas:
“Clara era uma natureza
amorfa, pastosa, que precisava mãos fortes que a modelassem e fixassem. Seus
pais não seriam capazes disso. A mãe não tinha caráter, no bom sentido, para o
fazer; limitava-se a vigiá-la caninamente; e o pai, devido aos seus afazeres,
passava a maioria do tempo longe dela. E ela vivia toda entregue a um sonho
lânguido de modinhas e descantes, entoadas por sestrosos cantores, como o tal
Cassi e outros exploradores da morbidez do violão. O mundo se lhe representava
como povoado de suas dúvidas, de queixumes de viola, a suspirar amor.”
Essa “natureza elementar” de
Clara se traduzia na ausência de ambição em melhorar seu modo de vida ou
condição social por meio do trabalho ou do estudo:
“Nem a relativa
independência que o ensino da música e piano lhe poderia fornecer, animava-a a
aperfeiçoar os seus estudos. O seu ideal na vida não era adquirir uma
personalidade, não era ser ela, mesmo ao lado do pai ou do futuro marido. Era
constituir função do pai, enquanto solteira, e do marido, quando casada. (…)
Não que ela fosse vadia, ao contrário; mas tinha um tolo escrúpulo de ganhar
dinheiro por suas próprias mãos. Parecia feio a uma moça ou a uma mulher.”
A descrição de Clara reforça
os malefícios da formação machista, superprotetora, repressiva e limitadora
reservada às mulheres na nossa sociedade. Ecoa, portanto, a descrição de Luísa,
do romance O Primo Basílio, de Eça de Queirós, ou a Ana Rosa de O Mulato, de
Aluísio de Azevedo. Todas são, na verdade, herdeiras diretas da figura de
formação débil, educada nas leituras dos romances românticos, que é Emma
Bovary, criada por Gustave Flaubert no romance inaugural do Realismo, Madame
Bovary (1857).
Cassi: o corruptor - Por
intermédio de Lafões, o carteiro Joaquim passa a receber em casa o pretendente
de Clara, Cassi Jones de Azevedo, que pertencia a uma posição social melhor.
Assim o descreve Lima Barreto:
“Era Cassi um rapaz de pouco
menos de trinta anos, branco, sardento, insignificante, de rosto e de corpo; e,
conquanto fosse conhecido como consumado "modinhoso", além de o ser
também por outras façanhas verdadeiramente ignóbeis, não tinha as melenas do
virtuose do violão, nem outro qualquer traço de capadócio. Vestia-se
seriamente, segundo as modas da rua do Ouvidor; mas, pelo apuro forçado e o
degagé suburbanos, as suas roupas chamavam a atenção dos outros, que teimavam
em descobrir aquele aperfeiçoadíssimo "Brandão", das margens da
Central, que lhe talhava as roupas. A única pelintragem, adequada ao seu
mister, que apresentava, consistia em trazer o cabelo ensopado de óleo e repartido
no alto da cabeça, dividido muito exatamente ao meio — a famosa
"pastinha". Não usava topete, nem bigode. O calçado era conforme a
moda, mas com os aperfeiçoamentos exigidos por um elegante dos subúrbios, que
encanta e seduz as damas com o seu irresistível violão.”
O padrinho Marramaque, que
já lhe conhecia a fama, tenta afastá-lo de Clara quando percebe seu interesse.
Na festa de aniversário da afilhada, provoca Cassi e deixa claro que ele não é
bem-vindo ali e que seria melhor que se retirasse. Cassi vinga-se de modo
violento: junta-se a um capanga e ambos assassinam Marramaque. Clara, que já
suspeitava das ameaças do rapaz ao padrinho, passa a temê-lo, mas ele consegue
seduzi-la, principalmente ao confessar seu crime, dizendo que matou por amor a
ela.
Malandro e perigoso, Cassi
já havia se envolvido em problemas com a justiça antes, mas sempre fora
acobertado pela sua família, especialmente sua mãe, que não queria que fosse
preso. Assim, conseguia subornar a polícia e continuar impune, mesmo depois de
ter levado a mãe de uma de suas vítimas ao suicídio e da perseguição da
imprensa.
O exagero narrativo de Lima
Barreto torna-se patente ao descrever a figura do sedutor. Branco, sardento e
de cabelos claros, é a antítese de Clara. Como o apontou Lúcia Miguel Pereira:
“Até os animais da predileção de Cassi, os galos de briga, são apresentados com
visível má vontade: ‘horripilantes galináceos’ de ‘ferocidade repugnante’.”
Joaquim dos Anjos -
carteiro, acredita-se músico escreveu a polca, valsas,tangos e acompanhamentos
de modina. polca: siti sem unhas; valsa: mágos do coração.
Uma polca sua - "Siri
sem unhas" - e uma valsa - "Mágoas do Coração: - tiveram algum
sucesso, a ponto de vender ele a propriedade de cada uma, por cinqüenta
mil-réis, a uma casa de músicas pianos da Rua do Ouvidor. O seu saber musical
era fraco; adivinha mais do que empregava noções teóricas que tivesse estudo.
Aprendeu a
"artinha" musical da terra do seu nascimento, nos arredores de
Diamantina, em cujas festas de igrejas a sua flauta brilhara, e era tido por
muitos como o primeiro flautista do lugar. Embora gozando desta fama animadora,
nunca quis ampliar os seus conhecimentos musicais. Ficara na
"artinha" de Francisco Manuel, que sabia de cor, mas não saíra dela,
para ir além" (p.21/22)
Natural de Diamantina, filho
único. A convite de um inglês, pesquisador, foi para o Rio de Janeiro e lá
ficou. Confiava em todos que o rodeavam.
"Um dos traços mais
simpáticos do caráter de Joaquim dos Anjos era a confiança que depositava nos outros,
e a boa fé. Ele não tinha, como diz o povo, malícia no coração. Não era
inteligente, mas também não era peco; não era sagaz, mas também não era tolo;
entretanto, não podia desconfiar de ninguém, porque isso lhe fazia mal à
consiência." (p.115)
Dona Engrácia - era
católica, romana, filhos trazidos na mesma religião, era caseira, insegura, e
rude.
Calado - músico e compositor
brasileiro (polcas "Cruzes, minha prima!")
Patápio Silva - "Uma
polca sua - "Siri sem unha"- e uma valsa - "Mágoas do coração"
- tiveram algum sucesso, a ponto de vender ele a propriedade de cada uma, por
cinqüenta mil-réis, a uma casa de música e piano da Rua Ouvidor." (p.21).
João Pintor - era um cidadão
que visitava "os bíblias" aqueles que pregavam o evangelho. "era
preto retinto, grossos lábios, malares proeminentes, testa curta dentes muito
bons e muitos claros, longos braços, manoplas enormes, longas pernas e uns tais
pés que não havia calçado."(p.25).
Mr. Shays - chefe da seita
bíblica, homem tenaz cheio de eloqüência bíblica faz seus adeptos ouvir a
palavra. Quando os adeptos se acham preparados põem-se a propagá-la.
Eduardo Lafões -
religiosamente ia aos domingos à casa de Joaquim para jogar o solo. Eduardo
Lafões gostava dos assuntos do comércio. Era um homem simplório, que só tinha
agudeza de sentidos para o dinheiro. Vivendo sempre em círculos limitados,
habituado a ver o valor dos homens nas roupas e no parentesco, ele não podia
conceber que torvo indivíduo era o tal Cassi; que alma suja e má era dele, para
se interessar generosamente por alguém.
Manuel Borges de Azevedo e
Salustiana Baeta de Azevedo - pais de Cassi. O pai não gostava dos
procedimentos do filho, enquanto a mãe, cobria-lhe as desfeitas com as
proteções.
Dona Margarida Weber Pestana
- viúva, mãe de Ezequiel, descendente de Alemão; ela, russa. Casou no Brasil
com tipógrafo que falecera dois anos após o casamento. Era dona de uma pensão,
mulher corajosa.
"O Senhor Ataliba do
Timbó deu em certa ocasião em persegui-la com ditinho de Amor chulo. Certo dia,
ela não teve dúvidas: meteu-lhe o guarda-chuva com vigor. À noite, no intuito
de defender as suas galinhas da sanha dos ladrões, de quando em quando, abria
um postigo, que abrira na janela da cozinha, e fazia fogo de revólver. Era
respeitada pela sua coragem, pela sua bondade que era mulato, mais tinha os
olhos glaucos, translúcidos, de sua mãe meio eslava, meio alemã, olhos tão
estranhos - olhos tão estranhos e nós e, sobretudo, ao sangue dominante no
pequeno." (p.60)
D. Laurentina Jácone -
gostava de rezer, ficar zelando a igreja.
D. Vicêntina - cartomante.
"Além desta, havia uma
digna de nota: era Dona Vicência. Morava na vizinhança também e vivia a deitar
cartas e cortar "cousas feitas". O seu procedimento era inatacável e
exercia a sua profissão de cartomante com toda a seriedade e
convicção."(p.60)
Praxedes Maria dos Santos -
"gostava de ser tratado por doutor Praxedes. Foi um dos convidados de
Joaquim. Era um homem bom. Ficou indeterminada das correspondência de Clara com
o Cassi.
Etelvina - crioula, colega
de Clara, notou a impaciência de Clara porque o rapaz Cassi ainda não chegara à
festa.
Leonardo Flores - grande
poeta.
Velho Valentim - era
português.
Barcelos - um português
fichado na detenção.
Arnaldo - era um colega do
grupo dos valdevino (desoculpados que andava com Cassi).
"Cassi explicou-lhe
então que devia ir, naquela tarde, à venda do Nascimento, cuja rua e cujo
número lhe deu. Chegando lá, simularia ter ido procurar por "Seu"
Menezes, que ele conhecia.
- Se ele não estiver? - indagou
Arnaldo.
- Você diz que fica à espera
e ouve o que se conversa lá. Nela, devem estar, entre outros o aleijadinho que
anda sempre fardado. Ele não conhece você, como os outros, conforme espero. O
que você ouvir, guarda e me conta. Se Meneses aparecer, você diz que quero
falar com ele, negócio de interesse dele." (p.91).
Menezes - o dentista da
família. Intermediário dos bilhetes e cartas de Cassi para Clara. Senhor Monção
- caixeiro vendedor; Belmiro Bernedes & Cia. - "tocava realejo",
era um moço português, simpático, educado, e bom porte.
Helena - tia de Marramaque,
econômica, prendada, costurava para o arsenal do governo.
D. Castolina - mulher de
Meneses.
Leopoldo - marinheiro. Cedo,
saiu de seio da família para melhorar de vida. Há 30 anos não via família.
Meneses com a sua pobreza tratou de visitar o imrão já que eram os únicos vivos
da família.
Enredo
Clara é uma mulata pobre,
que vive no subúrbio carioca com seus pais, Joaquim e Engrácia, mulher
“sedentária e caseira.” Joaquim era carteiro, “gostava de violão e de modinhas.
Ele mesmo tocava flauta, instrumento que já foi muito estimado em outras épocas,
não o sendo atualmente como outrora”. Também “compunha valsas, tangos e
acompanhamentos de modinhas.” Além da música, a outra diversão do pai de Clara
era passar as tardes de domingo jogando solo com seus dois amigos: o compadre
Marramaque e o português Eduardo Lafões, um guarda de obras públicas.
Clara engravida e Cassi
Jones desaparece. Convencida pela vizinha, dona Margarida, que procurara na
tentativa de conseguir um empréstimo e fazer um aborto, ela confessa o que está
acontecendo à sua mãe. É levada a procurar a família de Cassi e pedir
“reparação do dano”. A mãe do rapaz humilha Clara, mostrando-se profundamente
ofendida porque uma negra quer se casar com seu filho. Clara “agora é que tinha
a noção exata da sua situação na sociedade. Fora preciso ser ofendida
irremediavelmente nos seus melindres de solteira, ouvir os desaforos da mãe do
seu algoz, para se convencer de que ela não era uma moça como as outras; era
muito menos no conceito de todos.”
O autor representa, na
figura de Clara e no seu drama, a condição social da mulher, pobre e negra,
geração após geração. No final do romance, consciente e lúcida, Clara reflete
sobre a sua situação:
“O que era preciso, tanto a
ela como às suas iguais, era educar o caráter, revestir-se de vontade, como
possuía essa varonil Dona Margarida, para se defender de Cassi e semelhantes, e
bater-se contra todos os que se opusessem, por este ou aquele modo, contra a
elevação dela, social e moralmente. Nada a fazia inferior às outras, senão o
conceito geral e a covardia com que elas o admitiam...”
E, na cena final, ao relatar
o que se passara na casa da família de Cassi Jones para a sua mãe, conclui, em
desespero, como se falasse em nome dela, da mãe e de todas as mulheres em
iguais condições: “— Nós não somos nada nesta vida.”
Foco
Narrativo
É narrado em 3ªpessoa. Conta
a história, e ao mesmo tempo, vai descrevendo os personagens e espaço.
[...] O carteiro Joaquim dos
Anjos não era homem de serestas; mas gostava de violão e de modinhas. Ele mesmo
tocava flauta, Instrumento que já foi muito estimado em outras épocas, não o
sendo atualmente como outrora[...]
Estilo
O autor procura usar uma
linguagem simples, aproximando-se da língua falada da época. O estilo da
narrativa é objetivo, incorporando a linguagem do texto jornalístico, com
frases espontâneas. Foi muito crítico por escrever desse modo e mostra a
questão social do uso da linguagem em trechos do livro.
Verossimilhança
Verossimilhança: questão
racial... que até hoje muitas pessoas sofrem com o problema de preconceito
racial. E clara sofria com isso.
"...repugnava-lhe ver o
filho casado com uma criada preta, ou com uma pobre mulata costureira…"
Gênero
Literário
Romance
Opinião
sobre o livro
O Livro é baseado no século
XIX, porém relata o que muitas mulheres vivem hoje, o abandono devido a
gravidez, o preconceito social e racial que até hoje está presente no Brasil.
Um livro muito interessante, curioso que faz com que haja reflexão sobre tais
assuntos de muita importância.
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