Intertextualidade Triste Bahia! Ó quão dessemelhante (Gregório de Matos) e Triste Bahia (Caetano Veloso)
Triste Bahia
Caetano Veloso
*A primeira estrofe da música é parte do poema homônimo de Gregório de
Mattos
Triste Bahia, oh, quão dessemelhante
estás
E estou do nosso antigo estado
Pobre te vejo a ti, tu a mim empenhado
Rico te vejo eu, já tu a mim abundante
Triste Bahia, oh, quão dessemelhante
A ti tocou-te a máquina mercante
Quem tua larga barra tem entrado
A mim vem me trocando e tem trocado
Tanto negócio e tanto negociante
Triste, oh, quão dessemelhante,
triste...
Pastinha já foi à África
Pastinha já foi à África
Pra mostrar capoeira do Brasil
Eu já vivo tão cansado
De viver aqui na Terra
Minha mãe, eu vou pra lua
Eu mais a minha mulher
Vamos fazer um ranchinho
Tudo feito de sapê, minha mãe eu vou
pra lua
E seja o que Deus quiser
Triste, oh, quão dessemelhante
Ê, ô, galo canta
O galo cantou, camará
Ê, cocorocô, ô cocorocô, camará
Ê, vamo-nos embora, ê vamo-nos embora
camará
Ê, pelo mundo afora, ê pelo mundo afora
camará
Ê, triste Bahia, ê triste Bahia, camará
Bandeira branca enfiada em pau forte
Afoxé leî, leî, leô
Bandeira branca, bandeira branca
enfiada em pau forte
O vapor da cachoeira não navega mais no
mar
Triste recôncavo, oh, quão
dessemelhante
Maria pegue o mato é hora, arriba a
saia e vamo-nos embora
Pé dentro, pé fora, quem tiver pé
pequeno vai embora
Oh, virgem mãe puríssima
Bandeira branca enfiada em pau forte
Trago no peito a estrela do norte
Bandeira branca enfiada em pau forte
Triste Bahia! Ó quão dessemelhante
Gregório de Matos
Triste Bahia! Ó quão dessemelhante
Estás e estou do nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,
Rica te vi eu já, tu a mi abundante.
A ti trocou-te a máquina mercante,
Que em tua larga barra tem entrado,
A mim foi-me trocando e tem trocado
Tanto negócio e tanto negociante.
Deste em dar tanto açúcar excelente
Pelas drogas inúteis, que abelhuda
Simples aceitas do sagaz Brichote.
Oh quisera Deus que de repente
Um dia amanheceras tão sisuda
Que fora de algodão o teu capote!
No soneto, Gregório de Matos lamenta o
estado de sua cidade, outrora rica, agora pobre. Há a personificação da cidade,
por o eu-lírico se identificar com sua condição/a ti trocou-te e a mim foi me
trocando. A condição de miséria da cidade se deve ao fato de ela se dar ao
estrangeiro/brichote. O desfecho do poema possui teor moralizante, já que o
poeta propõe como saída o retorno da cidade á condição de humildade, desejando
– por Deus! – vê-la em simples capote de algodão, desprovida da sedutora seda.
Gravado integralmente em Londres,
em1972, Transa é o terceiro trabalho solo de Caetano Veloso. Marcante pela
mistura de ritmos e de referências culturais e literárias, o disco traz em
Triste Bahia uma analogia do compositor com o Boca do Inferno – ambos perseguidos.
Na letra, Caetano Veloso destaca aspectos culturais – Mestre Pastinha,
responsável pela difusão da capoeira na África e perseguido pelos militares -
musicais e literárias – para lamentar a perda da identidade de sua terra.
A música inicia com alguns versos de
Triste Bahia (Gregório de Mattos). Apesar da grande diferença de épocas entre
Gregório e Caetano, ambos criticam a Bahia com o mesmo poema: Gregório num
cenário econômico, quando itens de necessidade eram trocados por especiarias
europeias e Caetano no cenário político da Ditadura Militar.
Máquina mercante na música de Caetano
refere-se à Ditadura.
A partir do trecho "Pastinha já
foi à África", Caetano adiciona seus próprios versos à música.
Durante a Ditadura Militar, a capoeira
foi marginalizada e perseguida. Caetano faz uma citação ao mestre Pastinha,
capoeirista que visitou a África para mostrar a capoeira brasileira. Caetano
faz um jogo com o acontecimento e a época dizendo que Pastinha preferiu ir à
África à ficar no Brasil.
Caetano sempre cita uma fuga da
Ditadura, como quando diz querer ir morar na lua e "Vamo-nos embora pelo
mundo afora, camará. Triste Bahia camará" ou "Maria pegue o mato é
hora, Arriba a saia e vamo-nos embora". E "Bandeira branca enfiada em
pau forte" significa um pedido de paz, de fim da Ditadura Militar.
Da poesia barroca, identifica-se o
hipérbato, ou seja, a troca da ordem direta dos termos da oração, a antítese,
que consiste na exposição de ideias opostas e a obsessão pela linguagem culta,
característica barroca.
Concordo em partes. Acho que a expressão "bandeira branca enfiada em pau forte" se refere a um objeto peculiar e característico dos terreiros das religiões afro descendentes
ResponderExcluirPode ser uma dupla analogia tanto à isso quanto à paz
ExcluirPode ser uma dupla analogia tanto à isso quanto à paz
ExcluirConcordo em partes. Acho que a expressão "bandeira branca enfiada em pau forte" se refere a um objeto peculiar e característico dos terreiros das religiões afro descendentes
ResponderExcluirVc está certo.
ExcluirRefere se ao mastro com a bandeira branca do divino no topo!
É um ponto de macumba, como se dizia antigamente, que parte do poema de Gregório de Maros e vai atingindo um climax hipnótico pela repetição de estrofes, intercaladas com trechos de canções folclóricas. A percussão desempenha papel fundamental. Nada menos que genial.
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